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O transplante – Parte Final.

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6/3 Qualquer coisa para fugir do tédio…A madrugada de sábado para domingo foi um pouco tensa. Muita gritaria, um paciente acabou atacando uma enfermeira e houve uma correria no corredor acompanhado de confusão e mais gritaria.
Após a confusão, a enfermeira entrou de madrugada para tirar meu acesso central, não doeu nada, é tão fininho que de verdade, se não fosse o curativo puxando meu cabelo, eu nem notaria ele lá. Bom, retirar o acesso central era um bom sinal, fiquei feliz, apesar de meia cabreira por ter sido de madrugada, mas já tinha entendido que lá não existe hora para acontecer os procedimentos tipo exames/retirada de sonda/acesso/etc.E depois de tudo isso, claro que não foi fácil pegar no sono e quando ele finalmente chegou, acabou chegando junto também a técnica para colher exame de sangue. Resultado: Não dormi.
Segui mais uma vez toda rotina matinal: Fui me pesar, tomei café (por um milagre apareceu um pão com manteiga), fui para o banho, tomei todos os imunossupressores e fizeram minha checagem de pressão/febre/glicose. Tudo isso e ainda eram 9h da manhã.
Fui dar uma volta, ver quem eram as técnicas do dia e ver se meu médico estava lá. Descobri que meu médico não viria neste dia, então provavelmente não teria nenhuma novidade significativa.
Era 10h quando uma senhorinha muito simpática pediu licença para entrar no quarto e então ela convidou eu e a Cris para ir num culto que seria realizado no 8º andar.
Quem me conhece sabe que não tenho religião, apenas acredito em Deus e minha fé é “caseira”, rsrs. Mesmo assim, aceitei o convite da senhorinha, queria sair um pouco daquele lugar e literalmente foi somente essa oportunidade bateu na minha porta. A senhorinha me acompanhou até o 8º andar e depois não vi mais ela. Quando entrei no auditório que iria acontecer o culto, ele já estava bem cheio, sentei na frente de uma mãe com duas crianças. Foi interessante, cada pessoa daquele auditório era de um lugar diferente do HC e portanto, tinha uma patologia diferente. Quando olhei para o senhor que iria comandar o culto (desculpem, não sei como nomear isso, rsrsrs), eu me assustei. Juro que achei que estava na minha frente o Robin Willians e para ser o Patch Adams só faltava o nariz, já que ele estava de jaleco branco. Meu Deus, pena que estava sem o meu celular, senão faria questão de tirar uma foto, o senhor é idêntico ao Robin, impressionante.
Passado esse impacto, ele iniciou o culto e seria assim, ele cantaria e tocaria um violão e nos intervalos de cada música ele falaria algo brevemente. Uma das musicas me chamou a atenção, foi a mesma que minha vizinha teima em ficar cantando com toda força do pulmão dela e justamente nos momentos que estou tentando estudar, é impressionante, parece até que ela sabe, rsrs. Voltando ao culto, dada essa coincidência da música eu resolvi prestar mais atenção na letra e a danada da musica é bonitinha até. Acho que o nome dela é BARQUINHO, não tenho certeza.
Enfim, da metade do culto até o final, as duas lindas crianças que estavam atrás começaram a chutar meu banco… chutou uma… chutou duas… chutou três vezes… e assim, eu ia para frente e os pontos da cirurgia acabavam dando umas fisgadas. O engraçado é que geralmente nessas horas eu já iria me levantar e dar uma bronca na mãe que não controla os filhos dela, só que dessa vez eu fiquei na minha, ainda mais depois que a mãe chamou um deles de Lucas. Eu tenho um loooooongo histórico com crianças chamadas Lucas, aí já entendi que tinha que aguentar e ficou por isso mesmo.
Quando o culto acabou, não achei a senhorinha, ela havia me dito que me acompanharia de volta. Eu já estava apertada para ir no banheiro, resolvi não esperar e voltei sozinha mesmo.
E praticamente depois disso o domingo foi morno, até claro, chegar a noite.
Quando eu estava quase indo dormir uma enfermeira entra no quarto com uma bomba de infusão e um soro de 1 litro com medicamento. Eu pensava que era para Cris, já que as vezes ela tomava algum medicamento nessa bomba. Só que dessa vez era comigo. O medico receitou potássio porque o meu estava muito baixo. Claro que fiquei com medo, porque até eu descobrir pra que era, a Dna. Neura marcou presença mais uma vez.
Eu tive que ficar 4h ligada nessa bomba de infusão, era 2h da manhã quando finalmente terminou e quando pensei que iria dormir, a enfermeira chegou com mais 1 litro, dessa vez era só soro. Meu sódio também estava baixo. E mais uma vez seriam 4h para infundir esse soro, já nos primeiros minutos senti minhas mãos incharem e minha perna direita também, do joelho para baixo. Chamei a enfermeira, esta chamou o plantonista e este examinou e ficou por isso mesmo. Dada as 4h, já tinha que começar com toda a rotina novamente. Eu só consegui dar uns cochilos.
Conclusão: Nunca sentem na frente de crianças, rs.

Resumo técnico do dia:
– Sem dores.
– Pontos vazando muito pouco, mas ainda vazando.
– Perna direita levemente inchada.
– Tomei potássio e sódio.
– Suspenderam o diurético injetável, irei tomar somente em comprimidos.
7/3 É hora de dizer tchau…
Após a rotina matinal e a preocupação sobre as bolsas de potássio e sódio que foram infundida, eu notei que as mãos desincharam, contudo, minha perna direita, principalmente o pé, estava bem inchadinho.
Minha mãe havia vindo pela manhã, adiantado a visita que é das 15h até as 17h, então era 12h e nada mais iria acontecer. Como ninguém havia falado de alta hospitalar, ela foi embora.
Quando foi 15h o cirurgião que fez o transplante, o Dr. Éder (acredito que não seja com H), apareceu e quis me examinar e perguntou se eu tinha assinado um termo no momento do transplante, eu disse que não, mas na verdade tinha, é que não lembrava. Então ele todo feliz me deu umas folhas para assinar e perguntou se eu estava feliz em saber que iria para casa. Eu fiz cara de coxinha pra ele, eu nem sabia que estava de alta e disse isso para ele, então ele disse que da parte dele eu já estava de alta, mas ele iria confirmar com o Nefrologista.
Algumas horas depois chegou a confirmação e começaram a me preparar. Pediram para eu chamar um familiar, tive que conversar com a nutricionista e só faltei implorar para meu médico vir me esclarecer umas dúvidas, que com todo tempo livre, fiz uma lista de perguntas para não esquecer nenhuma.
Com tudo resolvido, meu irmão chegou para me buscar e tivemos uma breve aula de como tomar os medicamentos em casa e alguns outros cuidados básicos como lavar sempre a mão, evitar contato com pessoas doentes e jamais atrasar com os horários dos remédios.
Com o acesso venoso retirado, um saco de remédios e um monte de bagulhos em duas sacolas eu me despedi da Cris (foi meio emocional demais essa parte) e parti para casa.
A volta para casa foi muito esquisita. Foi bem diferente do que eu havia imaginado que seria, tanto que acabei chorando no carro e dando uma “patadinha” no meu irmão.
Ao chegar e ver meus pais e a minha cachorra, eu senti uma responsabilidade imensa em fazer tudo isso dar certo, eles estavam felizes, só que por algum motivo, eu não estava tão feliz assim.
Sentei um pouco na sala e meu pai reparou na minha perna e perguntou porque estava tão inchada, eu olhei e assustei, estava praticamente o dobro do inchaço do que quando ainda estava no hospital. Estava horrível, se achar a foto que tirei das minhas pernas eu coloco aqui numa próxima atualização.
Já era mais de 22h e eu queria ir dormir. Mas quem dorme tendo que correr pro banheiro a cada duas horas???
Conclusão: Despedidas são tristes e em hospitais é fácil se apegar nas pessoas.
Resumo técnico do dia:
– Pé e perna direita inchada.
– Livre de penduricalhos no corpo.
– Alta hospitalar!!!
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O transplante – Parte 06.

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04/03 – Hora de começar a subir…
Depois da aflição do dia anterior finalizada com felicidade ao conseguir urinar sozinha, eu fiquei muito mais tranquila, apesar de correr pro banheiro de hora em hora, foi de verdade uma alegria.
Eu fiz 6 anos de hemodialise e no ultimo ano não urinava mais, o que tinha que sair, só sairia na diálise, não tinha jeito. Com isso a bexiga foi atrofiando por não ser mais usada. Como ela ficou muito pequena, qualquer liquido que eu bebia em pouco tempo eu tinha que ir ao banheiro, porque ela enchia muito mais rápido que o normal por ter pouco espaço. O médico me orientou que conforme o tempo for passando a bexiga vai voltando ao tamanho normal e os intervalos de idas ao banheiro vão diminuindo.
O dia foi muito tranquilo, nenhum exame bizarro para fazer, só fiquei à toa no quarto, quando cansava ia caminhar ou conversar com os vizinhos de quarto. Como a Cris não havia passado muito bem a noite, tendo inclusive que tomar morfina, eu evitei ficar fazendo barulho e preferi ficar conversando com qualquer um que encontrasse do lado de fora.
Vi mais uma pessoa indo para o transplante. Um homem que acredito que tenha uns 50 anos, ele estava tranquilão, coisa de dar inveja, mas é isso, cada um reage de um jeito.
O dia demorou a passar, mas foi tão tranquilo que até tive sorte de receber uma janta comível, rsrs, e essa foi minha primeira refeição no hospital.
O meu médico passou cedo e finalmente me deu alguns valores, disse que minha creatinina de 9 (quando entrei para cirurgia), tinha caído para 7 após a cirurgia e agora estava em 5, que ele estava esperando mais uma queda sequencial para me dar alta e que tudo levava a crer que seria na segunda feira.
Conversando com as enfermeiras, uma me disse que o protocolo de alta hospitalar do HC para transplantados renais acontece quando o paciente apresenta 3 quedas seguidas de creatinina no exame e não apresenta nenhuma infecção ou dor aguda.
Já sabendo que iria passar o final de semana lá, eu relaxei, resolvi continuar seguindo as orientações da equipe. A noite chegou e eu consegui dormir razoavelmente bem.
Um detalhe que não posso deixar de citar é que todos os dias da internação eu alternava de humor, mas mesmo com boas noticias e sem praticamente dor alguma, eu ficava entre e triste e o muito triste.

Resumo técnico do dia:

– Foi o primeiro dia que não colheram nenhum exame de sangue.
– A queimação no estômago seguiu firme e forte, nenhum remédio era efetivo, melhorava por algumas poucas horas e depois retornava.
– Tentei ficar sem curativo, mas sempre que sentava tinha que tomar banho e trocar o avental, pois sujava um pouco, depois da terceira troca desisti e pedi para fazerem um curativo.

5/3 – Contrabando de comida…
Depois de toda saga, de ficar em uma gangorra emocional louca, o que mais estava incomodando no momento era a fome.
Eu aproveitei que meu irmão e minha cunhada viriam me visitar e pedi umas tranqueirinhas para comer. Não era nada demais, a maioria integral, é que não conseguia comer nada do hospital com exceção das bolachinhas e torradas.
Queria mesmo era um belo almoço, mas entrar com comida no hospital era quase impossível, além do que, comida fria ninguém merece.
Claro que minha peraltice teve efeito. Minha glicose aumentou e com isso me aplicaram insulina. Eu fui pega de surpresa, de repente aparece a enfermeira com a seringa e zap no braço. Por ter meu pai diabético e dependente de insulina, eu fiquei chocada, mas depois o médico me acalmou dizendo que a insulina era para baixar a glicose mais rápido, que não era indicado no momento eu tomar medicação oral para baixar a glicose.
Mas de coração, não me arrependi do contrabando, eu estava faminta e me senti até mais forte depois de comer algo com um pouquinho mais de sal. Eu que sempre tive a pressão arterial baixa, quando ficava sem se alimentar dava fraqueza danada.
Não aconteceu nada de muito significante no dia, as noticias são sempre as mesmas.
Resumo técnico do dia:

– O estômago deu uma melhorada, acho que era falta de comida, rsrs.

– Ter que beber muita água sem estar com sede é algo que estava difícil de fazer.

– Fiquei o dia inteiro sem curativo.

– O tédio começou a bater forte, já que não tinha absolutamente nada para fazer e os médicos não gostavam de ver a gente muito tempo na cama. O jeito foi ficar no corredor do lado de fora da ala do transplante, assim sempre dava para orientar as pessoas que estavam perdidas, alias, foi o que mais fiz nesse dia.
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O transplante – Parte 05.

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Olá pessoal.
Peço desculpas por ter interrompido as postagens, eu estou no ultimo ano da faculdade e conciliar o transplante + exames + consultas regulares + estudos, ocupou muito do meu tempo, como eu gosto de fazer as coisas o melhor possível, não conseguia dedicar atenção suficiente para meus relatos. Agora que estou de férias, vou tentar colocar em dia tudo que aconteceu.

03/03 – Aliviando umas coisas… Complicando outras…
Umas das muitas condutas pós transplante lá do HC é retirar a sonda no 5º dia pós cirúrgico, eu nem preciso dizer que acordei ansiosa achando que isso aconteceria logo pela manhã.
Quem me conhece bem sabe que eu simplesmente detesto todas as quintas-feiras, é algo meio “místico”, mas tudo que pode acontecer de ruim comigo, geralmente acontece em uma quinta. Porém, desta vez tinha esperança de mudar esse padrão.
A manhã começou típica, verificação dos sinal vitais, ir me pesar, tomar os imunos, tomar café e banho.
Tudo isso e ainda era 9h da manhã, horário que geralmente começa a movimentação dos médicos pelos corredores.
Como de costume, estava sentada na cadeira até eu avistar meu medico e ele me avistar. O quarto que eu fiquei fica quase de frente para a sala onde os médicos se reúnem, então eu conseguia monitorar todos movimentos deles (a doida do 7º andar, hahaha). Acho que o meu médico percebeu e toda vez que passava não olhava pro meu quarto… “ignorada mode on” hahahahaha…
Eu torcendo para ele parar e me dar uma atenção para ao menos avisar que iram tirar aquele troço do meio das minhas pernas e fui completamente ignorada a manhã toda.
Chegou o almoço (pior que horrível) e nada de médico. Pra ajudar nenhuma enfermeira sabia se iriam “sacar” a sonda. Eu cansei de ficar no quarto e comecei a andar pelos corredores, me aventurei do lado de fora e fui pra ala da urologia, que é simplesmente divina, um luxo puro. Depois enjoei e fui para a ala da cirurgia vascular e para a ala da endocrinologia também. A titulo de curiosidade, no 7º andar são 5 alas, tem a Urologia, o Transplante Renal, a Nefrologia (que esta em reforma para ficar chique igual a urologia, então estava fechada), tem a cirurgia vascular e a endocrinologia. Fiquei vagando igual uma zumbi, arrastando o “cachorrinho” com a sonda de um lado para o outro.
Meu celular havia pifado, então estava sem comunicação, sem distração, sem coisa alguma para fazer, então vamos gastar o chinelo, cruzei com alguns desconhecidos, orientei vários perdidos e ouvi algumas breves historias.
A tarde chegou, eu cruzei com o meu medico no corredor, que só disse pra eu pegar leve na caminhada, quando eu ia perguntar da sonda, ele deu as costas (¬¬’) e entrou no elevador.
Já havia desistido da ideia, estava escurecendo e finalmente as 20h quando a equipe de enfermagem trocou de turno, a enfermeira chefe apareceu e disse que iria sacar finalmente a sonda. *Fogos*, *Tiros de Canhão*, *Musica de Festa*.
Ok. Boa noticia. Só que… será que tirar essa geringonça dói? Pensei comigo mesma.
Aí eu não sabia se ficava feliz ou se ficava preocupada. E enquanto esperava a enfermeira trazer os aparatos a ansiedade aumentava. E se quando tirasse a sonda eu não conseguisse urinar sozinha??? E se ao tirar a sonda, desfizesse algo lá dentro? Tipo, entrei em modo neurótico extremo, aí já não queria mais tirar a sonda, hahahahahaha.
Depois de mais de uma hora de espera, finalmente chega o grande momento.
Eu tive que ficar deitada só que eu queria muito ver como era o processo pra tirar e o que tinha na parte de dentro. Foi um misto de medo e curiosidade, mas a curiosidade venceu e eu fiz um famoso pescoção pra ver, hahahaha… Só que foi muito rápido, numa piscadela e já estava livre daquele incomodo.
Depois que tirei a sonda eu queria mais era um super banho, porque pessoas, por mais que você se limpe o tempo inteiro, tome 20 banhos diários. VOCÊ SE SENTE SUJA. É uma porcaria isso!!!
Fui tomar meu banho feliz da vida, ahhhhhh liberdade!!! Maravilha!!! Só que então eu percebo, poxa, não tenho vontade de urinar, será que vai demorar para isso acontecer??? Aí claro, fiquei preocupada…
Percebam o monstro neurótico em que eu me transformei depois desse transplante, rsrs.
Já tinha passado umas 2h e nada de vontade de urinar, eu perguntava para Cris (coitada acho que cansou de ficar ouvindo minhas indagações, hahahaha), perguntava para enfermeiros, até para um médico que nunca vi na vida, tive que parar e perguntar, mais uma vez, todo mundo falando que era super normal, mas acho que Jesus poderia se materializar na minha frente e me falar que era normal que eu não ia acreditar, o fato tinha que acontecer para eu me acalmar.
Já estava dando quase 3 horas que estava sem a sonda, então senti uma leve dor na região da bexiga, corri pro banheiro rezando mentalmente para acontecer.
A partir do momento que me tiraram a sonda, deixaram no banheiro uma comadre e uma vasilha com meu nome, eu teria que fazer o controle de tudo que urinasse, não poderia perder nada. Olhar para aquela vasilha vazia estava me deixando angustiada.
Não consegui fazer nada. Eu sentei no canto do box do banheiro e comecei a chorar. Não só pelo fato de passar pela cirurgia ou de ser tudo desconhecido, eu estava emocionalmente desgastada. Ver pessoas doentes, pior do que eu via na hemodialise, pessoas que diziam que dariam tudo para estar no meu lugar e pensar que eu pensava o mesmo das pessoas que não fazem ideia do que um DRC enfrenta, como eu queria estar em casa estressada com os problemas comuns, mas não, estava lá sozinha, dentro de um banheiro, sem saber o que mais poderia vir pela frente. Medo, angustia, tristeza, eu baixei minha guarda e deixei todos esses sentimentos me levarem.
Fiquei alguns minutos no box, como se fosse o fim da linha, eu realmente estava sentindo isso.
Não no sentido que iria morrer, nem me importando naquela altura se o transplante não desse certo. De verdade se não desse, era só voltar para a hemodialise. O pior foi perceber o rumo que minha vida tinha tomado. Eu que nunca quis parar de fazer as coisas, quis trabalhar, estudar, quis evoluir mental e moralmente, já que a parte física não dependia mais de mim. Eu comecei a me questionar que nenhum dos sacrifícios que tinha feito nesses 6 anos valeram a pena. E que aquele momento não era o meu BOOM (um momento crucial de mudança de vida, tipo quando você compra uma casa ou é promovido para um cargo que estava lutando por ele há tempos… enfim, coisas que não acontecem sempre, que na verdade são momentos raros e preciosos).
Depois de bitolar em pensamentos trágicos, respirei fundo, me levantei, lavei o rosto me olhei fixamente no espelho e mandei um sonoro FODA-SE. Já estava lá, o que tivesse que acontecer, iria acontecer. Sai do banheiro de peito erguido (apesar de estar mentalmente ferida por dentro, jamais demonstraria isso, principalmente para desconhecidos). Fui dar mais uma volta no corredor e cruzei com uma menina entrando na ala do transplante, pois ligaram para ela naquele instante. Estava ela e mais cinco pessoas acompanhando ela. O olhar dessa menina era bem assustado e essas cinco pessoas que estavam com ela, eram só festa. Vi semelhança. Ali percebi que não era a única maluca.
Desfoquei da menina e continuei meu rumo aos corredores, que naquele momento estavam desertos. Após 30min caminhando, mais uma dor na bexiga, dessa vez, fingi que não tinha sentido nada, continuei caminhando. A dor foi aumentando cada vez mais, até chegar um ponto que estava bem forte a ponto de eu achar que deveria pedir um remédio. Claro que antes, um pouco contrariada, voltei para o banheiro. A Cris já estava dormindo, então tentei ser o mais silenciosa possível. Era aproximadamente 23:50 quando o milagre aconteceu. Finalmente consegui urinar sozinha, e até que não tinha sido pouco pra quem estava com a bexiga atrofiada, foram 200ml. Chorei novamente, dessa vez de alivio. Após isso, me preparei e fui dormir, amanhã seria outro dia. O problema, é que tive que acordar de hora em hora para correr no banheiro. Sim senhores, por minha bexiga estar pequena, ela enchia muito rápido. Eu praticamente não dormi.
Conclusão: Antes de corres atrás de um transplante, aprenda a meditar, porque autocontrole é algo essencial para não pirar no pós cirúrgico.

Resumo técnico do dia:
– Tirei a sonda.
– A queimação no estômago continuou e se tratando da parte física do processo, essa foi a coisa que mais incomodou até então.
– Não tive nenhum tipo de dor, além da queimação do estômago.
– Meu curativo continuou vazando um pouquinho.
– Fiquei andando pelos corredores o dia todo.
– O medico não passou, contudo, a enfermeira avisou que tudo estava dentro do esperado e em breve eu iria ter alta.

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O transplante – Parte 04.

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02/03 – Um dia de fúria…

Desde o dia do meu transplante o  meu intestino estava preso.
Medicamentos para dor costumam causar esse efeito e eu já havia reclamado com o medico que prometia que iria prescrever um remédio para ajudar, mas até então, não havia tomado nada.
Eis que acordo com aquela sensação de urgência, mas para quem está a tanto tempo assim sem se resolver, só podia esperar pelo pior.
Do momento que eu acordei até a hora do almoço, foram várias tentativas inúteis, estava ressecada demais. Pedia para as enfermeiras ajuda, algum remédio, até mesmo algum procedimento que pudesse me ajudar, tamanha era a dor e a vontade. A manhã inteira ouvi que o medico iria prescrever algo, mas nada apareceu para ajudar. Até que perdi a paciência e comecei a esmurrar a porta do banheiro, foi proposital, estava me sentindo negligenciada ali. E para ser honesta, esse dia eu realmente fui. Ninguem deu importância.
Após começar causar dentro do quarto, resolveram prestar mais atenção em mim, o que é super chato, ter que chegar a esse ponto para ser atendida.
Em 15 minutos apareceu o tal remédio. Um xarope que me pareceu muito inocente para resolver o problema.
Tomei o xarope meio desacreditada e continuei ali, monopolizando o banheiro nas minhas vãs tentativas.
Sem brincadeira, uns 10 minutos depois que tomei o tal xarope inocente, eu senti uma movimentação no abdome, parecia que tinha um alien dentro da minha barriga. O pior é que a cada movimentação, eu sentia forçar os pontos da cirurgia. Essa movimentação foi aumentando de intensidade e ali eu percebi que o estrago ia ser grande, rsrsrs.
Em menos de uma hora que havia tomado o xarope inocente, estava suando frio, tentando resolver e a dor era tão grande, que pensei que jamais iria conseguir. A Cris querendo me ajudar, me ensinou até uma simpatia, rsrs, eu estava topando qualquer coisa para resolver isso de uma vez.
Depois de suar muito (meu avental ficou lavado de suor) e forçar por muitos minutos, finalmente consegui. Mas foi com certeza a maior dor que senti durante a minha internação. Depois da primeira vez, meu intestino desembestou. Chegou o almoço, chegou o lanche da tarde e eu ali presa no banheiro, não conseguia sair, hahahaha…
Minha mãe chegou para visita e teve que ficar no banheiro comigo, porque eu simplesmente não saia de lá, não conseguia.
Depois de algumas horas e vários banhos, o meu intestino resolveu descansar, mas já era final de tarde quando consegui sair do banheiro. Curiosa, fui me pesar. Havia perdido 3 dos 6 quilos que havia ganhado desde o transplante. Estava exausta e morrendo de dor já que havia forçado muito os pontos. De verdade, acho que as linhas eram de Adamantium para não terem estourado.
Minha mãe já havia ido embora e eu estava sem graça com a Cris por ter monopolizado tanto o banheiro, resolvi ficar andando pelos corredores só para não ter que ficar constrangida perto dela.
Neste dia não consegui fazer a medição da urina, então não fazia ideia de como estava o rim. Angustiada, fiquei esperando o médico dar noticias, queria saber como estava os exames que eles sempre colhem pela manhã. Depois de muita espera ele aparece e diz o mesmo discurso “esta tudo dentro do esperado, a creatinina vem caindo”.
Em alguns pontos da cirurgia, ainda estava vazando um pouco de sangue e uma água clarinha e sem cheiro, como nunca havia passado por uma cirurgia desse porte, estava morrendo de medo de ser uma complicação grave. Já era para eu ficar sem curativo, mas devido a esse vazamento, eu tinha que trocar o curativo de tempos em tempos, o que era ruim, porque além dos pontos, as fitas do curativo limitavam meus movimentos.
A janta chegou, horrível para variar, deixei de lado e peguei somente a fruta.
Já estava me sentindo fraca, o fato de não me alimentar direito só piorou a situação.
Como a dor estava forte, chamei a enfermagem e pedi um remédio para dor. Elas sempre pedem para numerar a dor de 1 a 10, eu disse 11, realmente queria um remédio forte. Em pouco tempo, trouxeram um soro com a medicação. Como sabia que iria dormir com esse remédio, já tinha me preparado para só acordar no dia seguinte. E assim aconteceu.

Resumo técnico do dia:
– Ainda com queimação no estômago, talvez seja falta de alimentação + medicamentos.
– Não tive dor relacionada a cirurgia.
– Meu curativo vazou bastante, principalmente quando fiquei sentada.
– Não andei muito hoje.

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O transplante – Parte 03.

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01/03 – Um passo por vez
A terça chegou e como de costume fomos acordadas (eu e a Cris) às 6h da manhã. Aferida a Pressão, batimento cardíaco e o destro, ficamos em paz novamente. Geralmente voltaria a dormir até as 8h quando a enfermeira aparece com os imunossupressores, mas dessa vez eu estava mais animada.
Sem dores significativas, apenas algumas fisgadas quando sentava ou levantava da cama, eu fiz minha primeira caminhada para me pesar pela primeira vez, toda manhã antes de tomar café era necessário andar até a balança para se pesar. Como já tinha pegado o esquema com minha irmã de quarto, a Cris, peguei o suporte de soro e coloquei a sonda pendurada nele e tentei dar meus primeiros passos sozinha. A sensação quando muda a sonda de lugar é muito esquisita, quanto mais próxima do chão ela ficar mais confortável é, mas até eu entender isso, eu fiquei andando com essa sensação bizarra, como se a bexiga estivesse cheia. Como estava na cama há 3 dias praticamente, eu comecei andar como se tivesse bebido todas na noite anterior, estava totalmente sem equilíbrio, mas fui firme no objetivo de ir me pesar. Meu quarto ficava a uma distancia considerável da balança, dando passinhos de formiga, cheguei na bendita e subi. O primeiro susto do dia, eu havia ganhado 6 quilos durante o transplante.
Voltei pro quarto cambaleando, o rim transplantado parecia que pesava uns 3 quilos, a sensação de ficar em pé com algo dentro da barriga que não estava lá antes é difícil de definir, eu sempre que dava um passo parecia que iria tombar para frente.
No quarto havia apenas uma cadeira, então eu e a Cris começamos a revezar nela, mas como eu ainda não estava com muita confiança para ficar sentada, eu preferia levantar toda cabeceira da cama e ficar sentada nela. Isso chateou os médicos que diziam que tinha que sentar na cadeira e não ficar só na cama… Então que ao menos colocassem DUAS cadeiras no quarto, né?

A mocinha (não peguei o nome dela) que colhe o exame de sangue logo cedo apareceu, foi feita a coleta de 6 tubinhos e uma seringa para gasometria.
Meu destro começou a ser medido 4x ao dia, minha glicose estava começando a alterar. Segundo todo os profissionais de saúde que conversei (médicos, enfermeiras e técnicos), isso era devido aos imunossupressores, porém, sempre que interno minha glicose sobe, então eu fiquei com um pé atrás com isso.
Antes do café as técnicas aparecem para trocar a cama e fornecer o necessário para tomar banho e dar os imunos. Eu mais que depressa peguei minhas coisas, o avental limpinho e corri para o banheiro, não ia deixar ninguém dar banho em mim. Contudo, ainda estava com receio de ficar sozinha dentro do banheiro, eu não tinha ficado muito tempo em pé, sentia minhas pernas fracas.
Com fé e coragem, entrei no chuveiro. Com ajuda da agua quente fui removendo o curativo. Mais uma vez uma aflição tremenda, conforme o micropore ia descolando da pele, eu olhava para o teto tentando ganhar coragem para puxar aquele negocio de uma vez. Mas não consegui, ele caiu sozinho. Percebi que em apenas uma parte pequena do curativo estava suja de sangue.
O banho foi bem esquisito, o chuveiro era bom, mas mesmo depois de ter terminado eu não me senti limpa.
Vesti o avental errado e saí do banheiro para pedir ajuda para alguém arrumar a caca que fiz com o avental. Minha sorte é que o avental era grande, então cobriu tudinho.
Sentei na cadeira enquanto a Cris descansava na cama, não gostei da sensação, parecia que meus pontos iriam estourar. Fiquei esperando meu medico passar para ele ver que estava sentada e depois que ele passou, corri para a cama, rsrsrs.
O almoço veio, horrível, dispensei, peguei a maçã da noite anterior que não havia comido e tracei ela.
Quando se esta no hospital não se tem muito o que fazer, é bem entediante mesmo. Por algum motivo ainda estavam me dando medicamentos fortes para dor, então eu tirava alguns cochilos prolongados.
O começo da noite veio e como prometido, a fisioterapeuta apareceu. Dessa vez eu topei caminhar com ela.
Ela pegou leve até, eu pensei que ela iria caminhar comigo pelos corredores afora da ala do transplante renal, mas eu andei somente pela ala mesmo. Ela disse que ficou feliz, eu parecia mais disposta, mas poxa vida, eu estava no terceiro dia ainda, TERCEIRO!!! Eu já tava achando muito… povo exigente, rsrsrs…
Após o passeio com a fisioterapeuta, ela me ajudou a sentar na cadeira do quarto e foi embora.
Depois de alguns minutos sentada o curativo não deu conta e acabou vazando um pouco, mas o suficiente pra eu ficar preocupada e bem triste, então toda a evolução que tive no dia foi pro ralo. E então mais uma noite indo dormir chorando.

Resumo técnico do dia:
– Urinei 600ml, menos que o dia anterior o que me deixou preocupada.
– O medico mais uma vez avisou que a creatinina havia caído um pouquinho mais, sem revelar o numero.
– Não senti dor, somente o estômago ainda estava queimando bastante.
– Passei o dia mais sentada que deitada, mas depois que o curativo vazou, perdi a coragem de sentar e fiquei deitada.

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O transplante – Parte 02.

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29/02 – O dia seguinte.
Acho que esse é o dia que eu menos me recordo de todos.
Fiquei o dia todo na cama com um medo danado dos pontos romperem.
Não consegui almoçar, alias, a comida do hospital é horrível devo confessar. Dos 8 dias de internação só consegui fazer duas refeições, um almoço e uma janta. Passei a internação à base de frutas e torradas praticamente. Até começar “contrabandear” comida, mas isso foi no 7º dia de internação, peguei a malícia da coisa um pouco tarde, hahaha…
Como estavam me dando medicações fortes, eu mais dormi que fiquei acordada, sei que passei o dia todo com frio, quando acordava minha única preocupação era saber se havia urina na sonda.
Lá no HC o horário de visita é das 15:00 às 17:00, então estava ansiosa para chegar logo as 15:00 e ver minha mãe, porém, justamente no horário da visita me buscaram para fazer o ultrassom. Eu fiquei muito, mas muito irritada com isso, além do medo, porque imagina um ultrassom em cima de uma cirurgia que tem menos de 24h que aconteceu. Só que não tinha opção né, então desci para o InRad fazer o tal do ultrassom.

Era a primeira vez que iriam tirar o curativo, eu estava em pânico, não queria que ninguém encostasse em mim por um ano, hahahahahaha… Agora eu dou risada, mas eu juro que fiquei muito Drama Queen nesse dia.

Após esperar um tempo considerável me levaram para a sala de ultrassom, a enfermeira chegou para me preparar e já foi puxando a fita para tirar o curativo. Me deu uma aflição danada, me senti um pouco violada, hahahaha… Fiquei lá, exposta, aguardando alguém para fazer o exame. Depois de mais algum tempinho chegou a médica, que devo detalhar, ela foi super delicada, passou o aparelho bem suavemente, o único problema é que ficou fazendo uma cara seria, parecia que ela estava vendo algum problema. Depois de acho uns 30m (eu realmente perdi a noção do tempo lá), ela finalizou, mas disse que iria conversar com o professor dela. Alí eu gelei. Depois de mais algum tempo, aparece a Dra. com o professor dela que já sentou na cadeira e pegou o aparelho e foi com gosto em cima da cirurgia. Para ser honesta não doeu, porque a região estava meio anestesiada ainda, mas a aflição foi MUITAAAAA. Ele colocou tanta pressão que eu acho que ele ia atravessar minha barriga com aquele aparelho. O engraçado é que ele agia como se fosse a coisa mais tranquila e normal do mundo. Eu me senti um nada ali, fui totalmente ignorada, ele só falava com a outra Dra., explicando como ele fazia para enxergar as coisas. Ali eu me dei conta que era apenas uma ferramenta de estudo, e tudo bem, afinal lá é um hospital escola, nada mais natural, HOJE eu percebo isso, no dia não foi bem assim. Voltando… Depois de ficar ouvindo termos técnicos, tanto sobre meu corpo, quanto do aparelho de ultrassom, ele disse que colocaria no laudo como um ultrassom de parâmetros normais. Apenas depois disso, ele resolveu falar comigo e perguntou quem havia me doado o rim. Quando eu respondi que havia sido doador cadáver ele ficou surpreso e disse que estava muito bom, parecia de doador vivo. Eu dei apenas um sorrisinho, estava tão cansada que queria voltar pro quarto o quanto antes, torcendo para dar tempo de ver minha mãe. Os médicos saíram da sala dizendo que chamariam uma enfermeira para me levar de volta para o 7º andar. Sem brincadeira, acho que fiquei esperando umas 2 horas alguém aparecer. Ficar em uma maca dura por mais de duas horas estando recém transplantada, meus amigos, não foi fácil.

Cheguei no quarto e lá estava minha mãe, já se passavam das 18:00, porém, foram flexíveis e permitiram que minha mãe fizesse o horário de visitas.
Só que eu mal sabia que iria passar por mais uma situação inédita. As enfermeiras queriam que eu tomasse banho, mas eu não conseguia nem descer da maca, quanto mais ficar em pé embaixo de um chuveiro… resultado? Banho de balde na maca. Eu deveria ter feito toda força do mundo e ido até o banheiro. Se fiquei com aflição do médico me cutucando com um aparelho, imaginem duas enfermeiras jogando agua e “esfregando” sabão pelo seu corpo, inclusive na incisão? Eu queria correr dali. Novamente comecei a tremer, as enfermeiras me vestiram e ajudaram a passar para a cama e me cobriram. Logo em seguida, chega a fisioterapeuta querendo que eu saísse da cama para caminhar com ela. Eu quase fui mal educada na resposta, mas disse que não conseguia sair da cama, ela insistiu um pouco, mas viu que não iria conseguir nada comigo aquele dia, mas prometeu voltar no dia seguinte, rsrsrs.
Minha mãe foi embora e depois de todas essas experiências eu fiquei me perguntando se havia valido a pena. Hoje eu reconheço que não passei por nada demais, mas como disse antes, eu estava entristecida e meio contrariada em relação a esse transplante. Passei o resto da noite chorando baixinho para não incomodar a Cris.

Resumo técnico do dia:
– Urinei somente 700ml, isso tomando diurético a cada 6h.
– O médico responsável informou pela primeira vez que tudo estava dentro do esperado e que minha creatinina começou a cair, mas não revelou os números.
– Não senti muita dor, o que mais incomodou foi uma queimação no estômago.
– Não quis sentar, levantar e comer.

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O transplante – Parte 01.

Mais uma postagem gigantesca, porém, creio que será útil para quem ainda espera por um transplante. Eu vou dividir o relato em partes que acredito serem as mais impactantes e conforme forem surgindo novidades, eu vou publicando, assim como fazia com meu tratamento na hemodiálise. Ah, não vou poupar detalhes, então, se você é fraco para procedimentos médicos e o que o corpo humano é capaz de fazer, pulem as postagens, rsrs…

27/02 – Dia anterior ao transplante.
Mal sabia eu que seria minha última hemodiálise.
Sempre fui uma pessoa que acredita muito na minha intuição, já tive provas disso durante toda minha vida, várias e várias vezes, então, sempre que bate um sentimento estranho que não consigo explicar, sei que algo esta para acontecer e dia 27/02 não foi diferente. Acordei habitualmente às 03:50 para me preparar para ir para a clinica. Contudo, não amanheci muito legal, estava com uma sensação de tristeza muito forte, lágrimas brotavam nos meus olhos sem eu entender o que estava acontecendo. Simplesmente estava triste e angustiada. Mesmo assim, fui para a hemodiálise tentando mudar o pensamento. Cheguei a comentar com algumas pessoas sobre um sentimento de tristeza sem motivo aparente, inclusive fazendo dois tweets enquanto ainda estava na clinica.

O dia correu normal, apesar da tristeza, fiz minhas atividades habituais de um sábado qualquer. Fiz minha última refeição às 19:00 e pouco depois já fui dormir para evitar esse sentimento que estava me deixando angustiada.

Dia 28/02 – O grande dia.
Estava dormindo quando escuto o telefone fixo tocando. Peguei o celular para ver que horas eram e vi que era 02:20 da madrugada, aí já sabia que era do hospital. Confesso que antes de ver novamente a cena da minha mãe me passando o telefone, eu fiquei brava e esmurrei o travesseiro. Por algum motivo estava contrariada, não queria ir até o hospital, não queria fazer o transplante. Ainda assim, minha mãe chegou com o telefone e atendi como da primeira vez. Desta vez a principio não senti aquele medo inicial. Quando o médico perguntou se eu aceitava o órgão, eu quis desligar na cara dele e voltar a dormir. Mas então vi em minha mente meus pais, meu irmão e todos os que estavam sempre na torcida para que esse dia chegasse, não consegui negar, fiz a famosa entrevista (igual o relato da primeira vez que me ligaram) e novamente pedi duas horas para chegar até o hospital.

Avisei meu irmão, que se colocou à disposição, mas preferi correr da minha forma para o hospital. Em seguida, fiz todo protocolo, separarei documentos, banho e táxi. Estava mal humorada e isso para mim era um mal indicio.

Cheguei no Hospital das Clinicas de São Paulo mais ou menos 04:00 com minha parceira inseparável, minha mãe. Neste momento o medo começou bater, se domingo no final da tarde lá é deserto, imaginem em uma madrugada de sábado pra domingo.

E bora subir para o famoso 7º andar. Novamente as mesmas enfermeiras me recepcionam, parecia que estava vivendo um flashback, o mesmo quarto, o mesmo leito e quase os mesmos profissionais. Era como se eu havia parado no tempo desde a primeira tentativa, dado um pause, e então agora, finalmente um play.

Editado (24/03 – 09:51)
Desta vez não precisei fazer hemodiálise, foram somente exames/medicação/centro cirúrgico. A primeira coisa que me perguntaram é se eu ainda urinava e dessa vez já não estava urinando nada, nem o suficiente para fazer um pequeno exame de urina, então me informaram que iriam passar uma sonda de alivio para coletar material para o exame. A sonda de alívio é uma mangueirinha bem fininha que eles inserem pela uretra até a bexiga, no meu caso, eles precisariam inserir ela, injetar soro e coletar esse soro. A primeira tentativa deu errado, então tentaram com uma mais fina e deu certo. Posso dizer que é incomodo, da uma certa queimação devido a anestesia que irrita a uretra, porém, super suportável, pensei que seria pior. Depois veio a famosa saga para conseguir um acesso no braço esquerdo, fui de cara oferecendo os pés, mas elas foram teimosas e após tantas tentativas que nem lembro no momento, conseguiram um acesso. Já para a coleta de 19 tubinhos de sangue, duas garrafinhas de hemocultura (exame que verifica se existe bactérias no sangue) e uma seringa de gasometria, depois de alguns poucos tubinhos, a veia estourava e tinham que caçar outra. Honestamente nem estava ligando para as picadas, estava um pouco apática, me sentia de luto, fiquei pensando em meu doador, como se já existisse uma conexão entre eu e ele, não consegui ficar feliz com toda aquela movimentação.
Fim da Edição

Cada médico que entrava me dizia a mesma coisa. “O rim esta muito bom, esta saudável, perfeito, seu doador não tinha nenhum problema de saúde, a creatinina dele é excelente e a biopsia que foi feita esta perfeita”. Me sentia mal cada vez que escutava isso. Como pode? Era uma pessoa saudável, no auge da vida?! Sua família, como deve estar agora?

Me senti flutuando sobre toda situação, via as pessoas sorrindo pra mim, estavam todas otimistas, felizes e eu ali, querendo voltar para casa. Estava lutando contra esse sentimento, tentava sorrir, responder as pessoas de forma positiva, mas meu emocional estava abalado. Em nenhum momento me senti feliz, não estava preocupada se a cirurgia iria dar certo, estava tentando entender o que estava acontecendo, porque não correspondia a alegria das pessoas?

As 09:30 da manhã do domingo finalmente me buscaram para o centro cirúrgico, fiquei aliviada, iria dormir e não teria que lidar com esse sentimento. Minha mãe me acompanhou até o 9º andar, onde fica o centro cirúrgico do HC. Pedi para ela ir pra casa, já que a cirurgia era demorada e ela fez que ia embora, mas teimosa, acabou ficando.

Fiquei deitada na maca, então o anestesista se apresentou, me examinou e disse que logo me buscaria para a sala. Vi uma maca passando com uma malinha em cima dela, deduzi que era o rim que iriam transplantar em mim. Uns 10 minutos após a maca passar, me buscaram para o ir para a sala cirúrgica.

Quando cheguei na sala, confesso que achei ela pequena, mas estava comparando ela com a sala cirúrgica onde fui para fazer a fístula no hospital do rim, que é enoooooorme. Em frente a maca que tive que subir, tinha uma mesa e dois médicos sentados, um de frente pro outro, acredito que já estavam fazendo a preparação do rim.

O anestesista colocou um soro com alguma coisa no meu acesso e começou a me dar oxigênio ao mesmo tempo que jogava conversa fora comigo. Enquanto estavam me posicionando na mesa, o anestesista me perguntou no que eu iria sonhar. Como estava parecendo o Cristo Redentor de braços abertos, disse que meu nefrologista havia recentemente vetado eu pular de paraquedas e que a posição que eu estava atualmente estava boa para um salto, então, disse que iria sonhar que pulava de paraquedas, o anestesista riu, dizendo que fui original na escolha e que ele já havia pulado algumas vezes. Após esse pequeno bate-papo eu consegui desejar boa sorte para todos na sala, alguém riu no fundo e disse que eu que iria precisar de boa sorte, enfim dormi.

Acordei 8 horas após a cirurgia. Um receio que tinha é que eu iria me ver sendo desentubada, mas já acordei com avental e respirando sozinha. Acho que acordava e cochilava algumas vezes, até despertar de vez. Logo após despertar, o anestesista perguntou se estava bem, eu disse que estava com frio e instantaneamente comecei a tremer muito. Me cobriram e colocaram algum aparelho nos meus pés que soprava um ar quente bem gostosinho. Fiquei alguns minutos esperando e finalmente vieram me buscar para o quarto. O cirurgião disse que ocorreu tudo bem, que agora eu precisava me cuidar e esperar ver se o rim começava a trabalhar.

Saindo do centro cirúrgico encontro minha mãe e meu irmão. Confesso que fiquei aliviada de ver eles, de não estar sozinha nesse momento. Acho que tentei falar alguma coisa para meu irmão, mas não lembro. Assim que chegamos no quarto, era mais de 18:50, tive que fazer uma força danada para sair da maca para a cama e então foi aí que senti o corte pela primeira vez. Foi um puxão, mas nenhuma dor absurda, só deu um medo danado das minhas entranhas saltarem, rsrsrs. Pedi para minha mãe e meu irmão olharem a sonda para ver se tinha alguma urina e eles me disseram que tinha um pouquinho sim. Confesso que desanimei ao ouvir isso, queria que estivesse vazando já, rsrsrs.

Em seguida me deram algum medicamento e voltei a tremer de frio. Me cobriram novamente e acho que adormeci. Não lembro de me despedir da minha mãe e do meu irmão.

A noite foi um acorda e dorme danado, de tempos em tempos alguém entrava no quarto, verificava alguma coisa e saia. Minha parceira de quarto, a Cris (merece uma postagem só pra ela), deve ter sofrido esse dia com tamanho movimento que foi no quarto.

Irei continuar com as postagens, os próximos dias foram emocionalmente cansativos, eu reagi muito mal no sentido emocional, pretendo relatar tudo porque acho que fui a única a agir assim, mas no final, vocês vão entender que existe uma explicação.

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1 ano e 6 dias depois…

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Olá meus amigos…
Eu tentei escrever esse post umas 50 vezes, só que não consigo expressar bem o que esta acontecendo.
Na postagem passada relatei que há um ano atrás haviam me ligado para o transplante e que não deu certo devido o órgão não estar adequado e dois dias após eu publicar o relato, me ligam novamente e desta vez aconteceu.
Estou escrevendo já da minha casa e fisicamente tudo parece estar caminhando para uma boa evolução. Eu pretendo fazer um diário especifico dos principais dias desde a cirurgia, mas no momento não me encontro emocionalmente estável para reviver mentalmente tudo, e acreditem, fisicamente não foi tão difícil, contudo, a parte emocional do processo no MEU CASO, foi destruidora.
Eu busquei em alguns relatos de transplantados alguém que tivesse passado por algo parecido do que eu estou passando no momento e infelizmente para mim (felizmente para todo o resto), não encontrei, então estou me sentindo pior ainda por achar que estou sendo ingrata, mas a verdade é… não consegui criar uma conexão emocional com o órgão.
Queria chegar aqui e escrever o quanto é maravilhoso estar fora da hemodiálise, o quanto me sinto abençoada por não ter tido uma grande intercorrência na cirurgia, juro que queria, e eu acreditava que assim seria, mas caí do cavalo. O pós operatório foi bastante triste, eu me senti muito triste, mesmo só ouvindo coisas otimistas dos médicos, da equipe de enfermagem, até mesmo da fisioterapeuta que me chamou de teimosa nos 3 primeiros dias porque não queria sair da cama (insegurança da cirurgia abrir), mas que depois começou a brigar comigo por que já estava exagerando nos passeios pelos corredores.

Um breve resumo
– Fui chamada às 2:20 da manhã do dia 28/02.
– Após toda preparação subi para o centro cirúrgico as 9:30.
– O transplante começou as 10:30 e foi até as 16:30. Sim senhores, levei exatas 6h.
– Acordei as 18:30 e desci para o quarto.
– Já saí da cirurgia urinando, pouco, mas lá estava o que todos nós renais queremos ver.
– As dores que senti no pós operatório não foram tão absurdas como pensei que seria.
– Apesar do meu médico não falar muito em números, no 5º dia minha creatinina havia caído pela metade e veio caindo até o 8º dia.
– Tive alta no 8º dia após a cirurgia.
– Não estou urinando o volume que gostaria, mas para os médicos estou dentro do esperado, já que minha bexiga deu uma atrofiada após tantos anos sem urinar (uns 3 anos aproximadamente).
– Acho (ainda vou investigar com os devidos profissionais), que desenvolvi uma espécie de depressão pós cirúrgica, mas ainda é cedo para falar, eu estou no 13º dia de transplante.

O que sei do órgão:
– Foi de um homem de 40 anos.
– O tempo de isquemia foi de 23h.
– A compatibilidade entre HLA A, B e DR foi de 66,6%.

É isso amigos, não posso dizer que continuo levantando a bandeira do transplante que seria hipócrita (sempre fui a favor do transplante e sempre fui incentivadora fervorosa para que todos tentassem ao menos uma vez). Aos poucos, com a experiência que for adquirindo, vou colocando as ideias da cabeça no lugar e dou meu veredito final. O que não posso, é esconder a verdade que prometi expor aqui e deixar de narrar algo que esta sendo tão forte, só para eu parecer que sou igual a todos.

Ah, deixando claro. A tristeza não foi por falta de apoio, pelo contrário, recebi muito apoio e carinho de familiares, amigos, amigos dos amigos, vizinhos, conhecidos, desconhecidos, enfim, uma TROPA ficou na torcida e não quero que pensem que foi em vão, eu apenas preciso aprender a me adaptar a tanta novidade, mas de coração, obrigada a cada um.

Forte abraço e torçam por mim.

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Hospital Dom Alvarenga…

Já havia amanhecido, e eu ainda estava chorando, o que me faz lembrar que a cabeça da gente é uma arma muito poderosa para aumentar ou diminuir dores/aflições.
Um novo medico bateu na porta e ao me ver naquele estado, pediu autorização para que eu ficasse com um acompanhante, já que estava em um quarto isolado.
Era 9h da manha, quando ligaram para minha família, pedindo que alguém viesse para ficar comigo, e foi só assim que consegui parar de chorar.
Era 10 e pouco, quando minha mãe chegou. Eu não conseguia contar pra ela o que tinha ouvido, mas a presença dela no quarto foi importante.
O dia correu sem nenhuma grande novidade, já que os nefrologistas não ficam de plantão todos os dias nesse hospital.
Pelo menos uma coisa era boa, a comida! Eu sempre ouvia que comida de hospital era uma porcaria, mas a que eu estava comendo estava deliciosa, alias, havia muito tempo que não estava com um apetite tão bom (só depois descobri que devido ao prednisona que estava tomando, meu apetite aumentou).
A noite lá era mais movimentada, a entrada e saída de enfermeiros era constante, a coleta de exame também era maior, e alem disso, havia a visita da maquina de RX.
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Mais confusão…

Logo pela manhã, a médica responsável passou no meu quarto, e explicou porcamente como funciona o transplante, e falou que provavelmente eu iria ser transferida novamente, mas que não era para eu aceitar isso, pois eu ficaria de hospital em hospital, igual peteca.
Após essa passagem rápida da médica, lembro que fiquei sentada em minha cama, olhando minha mãe, pensando em como é triste ver uma pessoa que te ama tanto, tentando camuflar suas preocupações.
Fui tomar um banho, e percebi que com aquele cateter no peito, meus banhos não seriam mais os mesmos.
O telefone do quarto não parava de tocar, era família, amigos, vizinhos, pessoas que só conhecia por nome, ligando, querendo saber novidades, dando um apoio, se colocando a disposição. Essas ligações me fizeram enxergar algo que não enxergava antes, que eu era querida por muitas pessoas e que não estava sozinha.
Estava desconfortável, não vou negar, pois estava com o avental do hospital, com o cabelo bagunçado, enfim, não estava “apresentável”. Logo em seguida, chegou minha madrinha, trazendo comida, e coisinhas para facilitar a permanência no hospital.
Quando ela foi embora, uma maca apareceu na porta do meu quarto, e o que a médica havia previsto aconteceu, eu seria novamente transferida para outro hospital.
Segundo a orientação medica, relutei para ser transferida, até que liguei para médica e ela falou que tinha recomendado minha transferência para um hospital que tivesse nefrologista (?!?!?!), fiquei muito aborrecida, pois ela pediu uma coisa e fez outra. Enfim… Começa mais uma confusão.
Meu irmão, que no meio do “vai no vai” correu para o hospital, havia chegado, e foi o tempo de eu deitar na maca,  e lá vou eu andar novamente de ambulância, minha mãe me acompanhou.
Cheguei em um hospital que parecia ser um convento/escola, meu irmão chegou em seguida, e eu fui para um quarto esperar (novamente) a autorização do convenio para a internação.
Depois de alguns (muitos) minutos, foi autorizado, o médico me informou que ficaria na UTI, e que ficaria sozinha.
Depois de chorar, ficar com cara de cachorrinho sem dono (rsrs), o medico responsável pela minha internação me avisou que eu ficaria em um quarto separado na UTI, mas ainda sim ficaria sem acompanhante.
Me despedi dos meus pais, e me “acomodei” no quarto.
Mais uma medica apareceu, me fez um questionário, mas não me explicou nada, falou apenas para eu aguardar, pois iria fazer um ultra-som.
Dois enfermeiros entraram no quarto, muito gentis, e começaram a ligar os eletrodos em meu peito, plugar o aparelho de pressão (que eu só iria tirar para ir ao banheiro), fizeram o destro e me ofereceram uma coberta.
Em seguida chegou a bendita cadeira de rodas, para me levar fazer o ultra-som, ainda era bem traumatizante andar nela.
Já no ultra-som, o medico pediu para eu me deitar, e começou o procedimento. Lembro exatamente a conversa na sala:
Medico do Ultra-som: Xiii… Você tem um probleminha nos rins.
Eu: Probleminha, probleminha, ou probleminha problemão?
Medico do Ultra-som: Probleminha, problema.
Então ele chamou a medica Andréia, e eles ficaram conversando:
Medico do Ultra-som: Veja aqui…
E a medica Andréia colocou a mão na boca, como se isso fizesse esconder a expressão de pena da cara dela.
E enfim, o diagnostico foi feito: Doença renal parenquimatosa crônica.
A medica Andréia saiu da sala, prometendo ir ao meu quarto ainda naquela noite, o que não aconteceu, contudo, um outro medico apareceu e explicou que meus rins estavam “necrosados”, nessa hora nem preciso dizer que minha cabeça girou né? Só pensei “estou com câncer!”.
Depois disso foi uma choradeira interminável, ninguém me explicava mais o que acontecia, os enfermeiros passavam me oferecendo Diasepan para dormir, mas eu não aceitava, queria que alguém me explicasse TUDO, queria um medico do meu lado me explicando de A à Z o que viria pela frente, mas nenhum medico apareceu mais. Fiquei com os bips que o monitor cardíaco fazia, e com os passos abafados do lado de fora do quarto. Foi uma noite longa.