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O segundo mês – Parte II.

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O primeiro dia após a retirada dos pontos fui fazendo o curativo com gaze (muuuuitas delas) a cada 1h. Parecia que cada liquido que bebia, mais da metade saia pela barriga. Foi uma coisa muito chata.
Eu estava preocupada, só que não muito, já que o médico disse que era normal e com uns dias isso iria diminuir até fechar completamente.
Eu consegui passar o primeiro e o segundo dia tranquila, trocando os curativos na maior paciência do mundo. No terceiro dia, acordei e percebi que o buraquinho onde saia a água tinha aumentado de tamanho, eu conseguia ver o tecido por dentro do buraco (bem nojento por sinal). O que antes cabia uma agulha, agora podia servir de porta caneta, cabia direitinho uma Bic em pé. Vendo isso, minha calma foi para o brejo. Aproveitei que iria para o hospital colher sangue e mais uma vez encararia o Pronto Socorro, a diferença agora, é que desta vez eu saberia por onde entrar corretamente.
Para estancar um pouco o líquido, comecei a usar absorventes, isso porque a gaze não segurava nada. Ainda assim, eu trocava de hora em hora.
Fui colher o exame de sangue e parti para o pronto socorro. Por um milagre estava quase vazio.
Fiz todo processo de triagem que havia pulado da outra vez e fiquei esperando me chamarem para ser atendida.
O primeiro atendimento foi com um Clinico Geral, que concluiu que eu deveria ser avaliada pela equipe de Urologia (bem óbvio, né? rs). O problema é que era uma segunda e o que os urologistas fazem segunda de manhã no HC? Reunião!!!
Fiquei das 8h da manhã até 13h esperando alguém da Urologia descer. Enquanto isso, já estava toda encharcada, sem brincadeira, estava completamente lavada.
Após as 13h uma equipe inteira da Urologia apareceu. Fui atendida por um medico muito atencioso (não posso reclamar, 99% dos médicos lá são super gentis). Ele pediu um ultrassom para avaliar o que estava acontecendo, o medo dele era que o uréter ou a bexiga tivessem alguma perfuração e que o líquido fosse urina. O que eu achava improvável, já que não tinha cheiro de nada, apesar da cor levemente amarelada. O medico também achava improvável, mas claro, quis ter certeza. Eu mesmo confiante, fiquei preocupada, porque ele disse que qualquer coisa eu iria para o centro cirúrgico. Você ouvir algo assim com certeza te perturba.
Minha mãe estava comigo (como sempre), então, eu tentei segurar o choro para não preocupar ela, mas já estava emocionalmente desabando.
Fui para uma sala de espera que ficava após o corredor de “internação” lá do pronto socorro. É um corredor que tem as salas de ultrassom e raio x, mas nele ficam macas e pacientes expostos, devido a falta de leito. Sim, é um lugar feio, triste, mas os profissionais lá tentam fazer o que podem com os recursos que possuem.
Nesta sala, tinha uma criança com febre e um senhor que estava tossindo igual um cachorro, fiquei morrendo de medo de ficar ali. Optei por ficar esperando no corredor, que também não era um lugar apropriado, já que tinha pessoas de tudo quanto era enfermidade. Além do lugar ser bem pouco arejada (nada arejado).
Fiquei duas horas esperando pelo ultrassom e nada, então minha mãe foi procurar o médico, que foi atrás de quem estava responsável pelo ultrassom e não encontrou ninguém. Simplesmente não tinha ninguém para realizar um simples ultrassom.
Depois de muita correria (eu mesmo vi em pessoa), o médico conseguiu localizar um residente e pediu para ele fazer finalmente o bendito ultrassom.
Mais uma vez, profissional gentil e atencioso, o engraçado é que ele era o R1 (Residente nível 1), então ele teria que reportar o exame a um R2, que por sua vez, teria que reportar ao R3, hahahahahahaha… Sério gente, eu estou aprendendo muito com esse transplante.
Depois de fazer o mesmo exame 3x, afinal, o R1, o R2 e o R3 fizeram o ultrassom em mim, a conclusão finalmente apareceu.
Eu estava com uma coleção de líquido abaixo da “ferida cirúrgica”, que naquela hora, dava algo como entorno de 70ml. Mas com certeza era muito mais, visto o que eu já tinha vazado pelo dia todo. Então ouvi pela primeira vez a palavra Linfocele.
Após fazer o ultrassom, fui até o consultório da urologia no PS para avisar que já havia feito, porém, o consultório estava vazio. Toooooda aquela equipe que havia descido para o PS já tinha ido para outro lugar.
Era mais de 20hrs e nada de nenhum médico aparecer. Até que uma luz brilhou no meio da multidão daquele PS, que no momento estava lotado. Vindo em minha direção, lá estava meu cirurgião s2, o que havia feito todo meu milagrinho.
Ele me levou para o consultório, me examinou e quis colher um pouco do líquido que estava saindo para mandar para exame, ele pegou uma seringa sem agulha e “encaixou” no buraco e começou a colher o liquido, ele até cheirou o líquido e disse que era inodoro. O medico que havia me atendido antes apareceu novamente e acompanhou meu atendimento com meu cirurgião s2. Depois de muito me examinar, de ver o resultado do exame de sangue que havia feito pela manhã (que estava tudo muito bem), ele passou a seringa com o liquido colhido para o exame o outro médico e pediu analise do liquido com urgência.
Não satisfeito com o resultado do ultrassom, disse que estava cogitando me internar para fazer mais exames. Contudo, ele pensou bem e disse que iria pedir uma tomografia, dependendo do resultado, ele iria ver o que iria decidir. O problema, é que ele tinha um transplante para fazer na madrugada, então ele só iria me atender novamente na parte da manhã.
Já era 22hrs, eu só estava com os remédios do dia comigo (aprendam, se transplantar, andem com dose extra de sua medicação). Então tive que pedir para minha mãe ir embora, pois ela teria que voltar as 7hrs da manhã trazendo os remédios do dia seguinte que estavam em casa. A minha sorte é que deixo os medicamentos da semana todos organizado, então, cada dia tem seu estojinho com todos os remédios. Então seria tranquilo ela trazer esses remédios.
Bom, minha mãe foi e eu fiquei sozinha no pronto socorro. Estava ficando bastante frio e eu comecei ver uns pernilongos pelo salão da recepção. Fui no posto de enfermagem e pedi gentilmente um lençol para me proteger, o que eu menos precisava era de uma gripe, ou alguma doença transmitida por um inseto. A enfermeira foi um pouco grossa, mas liberou o lençol, lógico que somente após eu mostrar que estava molhada e não tinha blusa e também era recém transplantada.
Fiquei esperando me chamarem para a tomografia, desconfiava que iria demorar muito, então fiquei caminhando pela recepção, ela já estava quase vazia.
Então nessas minhas voltas percebi que haviam alguns idosos com dificuldade de pegar café na maquina automática. Percebendo isso, fiquei próximo a maquina e comecei a me oferecer para ajudar toda vez que alguém se atrapalhava. Então escutei um grupo de mulheres atrás de mim mandando indireta, falando que estava ajudando na esperança de alguém oferecer a pagar para mim um café. Na hora fiquei um pouco chateada com isso, quase fui tirar satisfação. Resolvi ignorar. A maioria me oferecia mesmo para pagar um café, só que se eu quisesse eu tinha recursos para isso, minha intenção era apenas passar o tempo, então achei esse meio para me distrair e ainda ajudar.
Depois de alguns minutos me chamaram para a tomografia. Não durou 3 minutos, foi muito rápido. Ao sair do procedimento, pediram para eu ir até a sala dos médicos que me atenderam para avisar que já tinha feito. Claro que fui e claro que não tinha ninguém.
Lá no Pronto Socorro, você tem que ter bom senso, quem esta esperando atendimento, pode vez ou outra, circular pelos corredores e acabar vendo coisas nada agradáveis.
Eu estava indo de hora em hora até o corredor dos consultórios ver se tinha algum médico e em uma dessas minhas idas, fui até o segurança que estava no final desse mesmo corredor, perguntar se poderia escrever um bilhete e deixar na mesa do consultório, o mesmo não autorizou, claro. No mesmo instante, uma equipe médica estava correndo com uma maca em nossa direção. Eu lembrei de muitas cenas que vi em séries médicas nesse momento. Eram cinco médicos, dois de cada lado da maca e uma médica em cima do paciente fazendo RPC (obrigada Grey’s Anatomy pela referencia), que é movimento de Reanimação Cárdio Pulmonar. O paciente, esse não esqueço jamais, um garoto que acredito ter uns 6/7 anos, estava azul, parecia até que tinha caído em tinta, uma cor bem diferente, nunca tinha visto na vida algo parecido. Enquanto passavam só peguei que o garoto havia ficado embaixo da água por mais de 3 minutos. Como desde o momento que cheguei no pronto socorro, até então, eu só havia tomado um café com leite, não tinha comido nada, estava um pouco fraca, quando vi essa cena, quase caí no chão. Fiquei muito mole, tanto que o segurança me cedeu a cadeira dele para eu sentar. Já não bastasse essa cena, os poucos segundos que fiquei naquela cadeira, apareceu outra equipe médica no mesmo jeito, a diferença é que desta vez era um homem com uma ferida no crânio, a maca estava toda ensanguentada e o homem pálido e não se mexia, tanto que os médicos pararam de correr na metade do corredor e só começaram a empurrar a maca. Vendo isso, saí de lá correndo, voltei para a recepção e lá fiquei até amanhecer.
A cena do menino ficou em looping na minha cabeça. E vez ou outra, eu via alguns familiares saindo dos corredores chorando em desespero. Quanta coisa ruim em um único lugar. Ao mesmo tempo, quanta gente boa se dedicando a transformar essas coisas ruins em algo bom.
Enfim, amanheceu, minha mãe apareceu e eu caí no choro. Sabe como é, sem definição do que esta acontecendo, mais de 24h acordada, sem comer, vendo cenas fortes, desabei no choro. Um enfermeiro vendo a cena, me perguntou o que era, eu narrei toda a saga, em 5 minutos ele entrou em contato com o medico e em seguida apareceu uma outra médica, falando que era apenas uma coleção de “Linfocele”, que podia ir para casa que na consulta do transplante a médica s2 que me acompanha me daria mais orientações. Meu primo que trouxe minha mãe, ficou esperando, então voltei para casa para descansar um pouco, porque na parte da tarde iria ter que voltar para a consulta com a minha médica s2.
Na próxima e ultima parte desse segundo mês, eu conto mais sobre o que é Linfocele. Não vou conseguir escrever na próxima quinta, então, daqui duas semanas darei noticias.
Grande abraço.

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