Estou devendo esse relato já faz um ano, porém, como recordar é viver e como este ano não me ligaram, vou escrever como foi o dia que recebi a ligação para o tão esperado transplante.
Quando você esta há 5 anos esperando por alguma coisa, na verdade você até deixa de esperar. E foi assim comigo. Ia fazer 5 anos que estava inscrita na fila do transplante em São Paulo, e honestamente, a ansiedade do começo do telefone tocar a qualquer momento já havia passado há tempos.
Era domingo, dia 22 de fevereiro de 2015. Eu estava em casa tentando dar um trato no computador do meu médico. Foi um domingo atípico, eu estava debulhada em dois computadores, sozinha em meu quarto. Estava tão concentrada em arrumar o computador do Dr. que não havia me lembrado nem de almoçar. Quando foi 15:20 o telefone toca. Minha mãe atende e sobe até o meu quarto chorando de soluçar, tentando balbuciar algo como “seu rim chegou”, mas saindo algo como “muahinhoooo”, rsrsrs, pois é, eu não entendi e pensei até que alguém havia falecido, ou nascido, ou sei lá o que. Tremendo e chorando minha mãe me passou o telefone. Do outro lado da linha era o Dr. Vitor, que finalmente fez eu entender o que estava fazendo minha mãe chorar.
DR: – Ana Paula?
EU: – Sim, sou eu.
DR: – Aqui é o Dr. Vitor do Hospital das Clinicas, tudo bem?
Neste momento minhas pernas amoleceram.
EU:- Estou bem Dr.
DR: – Ana, temos uma novidade. Provavelmente temos um rim compatível para você e preciso fazer uma pequena entrevista para passar para equipe, tudo bem?
Já com a voz tremula, comecei a responder o questionário que o Dr. começou a fazer.
DR: – Teve febre esses dias?
EU:- Sim, na quarta, mas da mesma forma que apareceu, ela sumiu.
DR: – Não sentiu mal estar nenhum após essa febre?
EU: – Não.
DR: – Qual foi o ultimo horário de sua refeição?
EU: – Eu só tomei o café da manhã, esqueci de almoçar.
E soltei uma risada um pouco tensa.
DR: – Ótimo, não coma mais nada até eu conseguir confirmar se faremos o transplante ou não, tudo bem?
EU:- Ok.
DR: – Quanto tempo você leva para chegar aqui?
Eu comecei a calcular o tempo que levaria para me preparar e chegar até lá e chutei um pouco mais alto para ter vantagem.
EU:- Duas horas Dr.
DR: – Tudo bem Ana, vou conversar aqui com a equipe e em no máximo 20 minutos retorno a ligação para confirmar se faremos ou não, entenda que é muito importante você manter essa linha desocupada.
EU:- Sem problemas.
O Dr. desligou e eu fiquei estatelada no meio do quarto sem saber o que fazer. Estava com uma mistura de sentimentos, fiquei feliz pela possibilidade de sair da hemodiálise, fiquei triste porque alguém havia falecido, fiquei ansiosa e principalmente fiquei com muito medo. Um medo tão grande que me deixou sem ação. Eu me dei o direito de sentir esse medo, contudo, deixei ele me dominar por cinco minutos cronometrados, meus olhos marejados, as mãos fechadas de tensão, sim, eu precisava sentir com toda intensidade esse medo para conseguir me libertar dele o mais rápido… coisa minha mesmo, rsrsrs. Após esse tempo, respirei fundo e comecei a pensar o que iria precisar levar, porque como disse antes, depois de 5 anos você não espera e não fica preparada para mais nada.
Enquanto esperava o retorno do médico, eu decidi me preparar caso ele confirmasse.
Separei documentos, uma muda de roupa, itens de higiene.
Após isso, o telefone tocou e era o Dr. Vitor confirmando. Havia chegado minha vez e para eu correr para o hospital.
Mais uma vez o medo me pegou. Falei alto, quase gritando, “estou com medo, estou com medo”, algumas tantas vezes. E então respirei fundo e comecei a agilizar minha ida ao hospital.
Sem saber bem ao certo os procedimentos no hospital (isso porque fui em uma palestra preparatória, rsrs), corri tomar um banho e esse tempo já estava calculado nas 2 horas que disse que levaria para chegar no hospital.
Após separar tudo que achava que precisaria, deixando meu pai em casa batendo palmas enquanto descia as escadas para ir embora (lembrei do filme A procura da felicidade, hahaha), fomos para o hospital, eu e minha mãe.
Depois de alguns longos minutos e o celular tocando sem parar, já que meu irmão já havia avisado algumas, finalmente chegamos no hospital.
Mas imaginem, Hospital das Clinicas, domingo, final de tarde… Tudo fechado!!!! Acabamos nos perdendo, não sabia por onde entrava para ir para o bendito 7º andar.
Depois de perguntar para umas 5 pessoas, finalmente encontramos o caminho certo.
Chegando no 7º andar, a enfermeira Juliana me atendeu com uma bandejinha cheia de itens. Me deu um sabonete liquido viscoso amarelado e disse para eu tomar um banho com ele, mas antes disso, era para colher Urina, o que graças a Deus eu consegui, senão eles já iriam colocar um sonda de cara em mim. Após coletar a urina, fui para o banho. A enfermeira havia me dado um aparelho para fazer a tricotomia, ou seja, uma depilação geral das partes, segundo a narração da enfermeira, era para depilar a área de uma bermuda, rsrsrs, porém, eu já havia feito isso em casa.
Saindo do banho ganhei um avental e a segunda enfermeira que me atendeu, a Gisele, chegou para fazer mais um questionário, desta vez bem mais detalhado e complexo.
No final do questionário era identificado uma nota de risco da cirurgia, eu fiquei com a nota 2 só pelo fato de eu ser renal, não havia nenhum outro risco.
Mediram minha pressão que estava 11×7, geralmente ela é mais baixa que isso. Fizeram um eletrocardiograma e meu batimento cardíaco estava 130, bem alto, mas foi uma arritmia sinusal, pura tensão inconsciente, já que estava me sentindo um pouco anestesiada.
Tive que fazer hemodiálise lá, então em poucos minutos já estava na sala de diálise.
O Dr. Paulo apareceu e pediu para eu fazer apenas duas horas, já estavam me esperando no centro cirúrgico.
A sala de hemodiálise do 7º andar do Hospital das Clinicas é bem aconchegante, a cadeira é ultra confortável, as técnicas são gentis e torcem com você pra tudo dar certo, quem me puncionou foi a delicada Quitéria.
Era 18:00 e eu estava sozinha com a médica responsável na sala (não sei o nome dela) e técnicos de enfermagem que entravam e saiam esporadicamente.
Após a punção, colheram sangue para vários exames de sangue. Intermináveis tubinhos, garrafinhas de hemocultura e seringas, nunca havia colhido tanto sangue na vida. Mais tarde fui saber que no total foram 69 exames que fiz naquele dia.
Comecei a diálise, fui super bem assistida, autorizaram minha mãe a entrar na sala e me fazer companhia.
Por algum motivo, eu não estava mais com medo, ou ansiosa, nem mesmo preocupada eu estava. Acho que todos estavam mais tensos que eu.
A noite chegou e finalmente a diálise acabou. A enfermeira me buscou e me levou em direção ao quarto, me despedi minha mãe, a partir daquele momento, era eu, os médicos e as enfermeiras. Chegou então a hora de colocar um acesso para tomar os medicamentos.
Minhas veias são minúsculas, sempre dou trabalho para colher exames de sangue fora da fístula, imaginem então colocar um acesso.
Duas enfermeiras se revezaram para tentar achar um lugar. Foram 4 tentativas no braço esquerdo, em vão, não teve jeito de acontecer. Então já preocupadas, olharam para meu pé e viram uma luz no fim do túnel, rsrsrs, de primeira conseguiram um acesso que segundo elas, os médicos iriam adorar, já que estava bem colocado e o fluxo estava excelente.
Após a saga do acesso, começou a chegar os remédios. Primeiramente foi um copo de café atolado de comprimidos, de todos tamanhos, formas e cores possíveis e ainda era para tomar com o mínimo de água possível. Em sequencia a primeira bolsa de remédio. A segunda… A terceira… A quarta…
Eu já estava grogue de tanto medicamento que haviam me dado, nem estava me importando com nada, rsrsrs…
Então na metade da 5ª bolsa de medicamento a enfermeira interrompe o fluxo e sai.
Achei esquisito, mas fiquei esperando.
Neste tempo meu irmão também chegou no hospital. Então estavam lá minha mãe e meu irmão, apenas aguardando.
Depois de mais de 30m que a enfermeira interrompeu o medicamento um medico chegou com um cara triste.
Estava tão grogue que não reconheci o médico, não sei qual médico que apareceu lá, rsrs.
Ele chegou do meu lado, pegou o celular dele e deu a noticia que o rim que viria pra mim não estava com um aspecto bom e eles decidiram por não fazer o transplante. Em seguida me mostrou o rim pelo celular. O rim estava branco e apesar de não ser médica eu percebi que não havia vascularização, o rim estava literalmente morto.
Eu não sei se pelo efeito dos medicamentos ou porque talvez inconscientemente já sabia que não iria fazer o transplante, mas a noticia não me deixou triste. Pelo contrario, fiquei feliz, porque os médicos foram sensatos e não tentaram realizar uma cirurgia que possivelmente me traria problemas.
O medico se retirou, provavelmente mais triste que eu, rsrsrs, e a enfermeira entrou para retirar meu acesso. Estava liberada para voltar para casa. Devido a quantidade de medicamento, fiquei grogue uma semana inteira, nem fazendo hemodiálise os remédios saíram do meu corpo.
E este foi o dia do meu quase transplante, rsrs, e apesar de ouvir dos médicos, das enfermeiras e de tudo quanto é gente, que já que me chamaram esse dia logo me chamariam novamente. Já se passou um ano e não tive mais nenhuma ligação. Minha hora ainda não chegou.
É de arrrepiar ler um relato desses e saber que exatamente neste momento(28/02/16 9:30), você esta em cirurgia fazendo o tão esperado transplante hein? Coisa do destino mesmo, coisa de Deus. Dessa vez não estou presente fisicamente, mil perdões por isso, mas estou com você em espírito e no seu coração… tenho certeza que vai dar tudo certo, pois ao longo desses mais de 6 anos de diálise, você se tornou uma pessoa melhor (você mesma diz isso rsrs), então você é mais do que merecedora de uma vida melhor e com fé em Deus isso irá acontecer!Estou aqui na torcida, na fé, na oração… ancioso para te ver novamente.Amo vc(LIF)
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